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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Justiça do Trabalho e a (nem sempre confiável) prova testemunhal‏.

Lá estava eu numa audiência trabalhista, figurando como advogada da empresa reclamada, pensando na sentença-bomba que viria mais cedo ou mais tarde. Chega o tão aguardado momento da oitiva das testemunhas. A primeira delas entra na sala. Nosso preposto sussurra: esse cara tem reclamação trabalhista contra a gente também, mesmo objeto. Apresento a contradita e o MM. Juiz a indefere: súmula 357, doutora.

O enunciado número 357 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho logo me vem à mente (não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador) e me provoca arrepios.

Talvez porque a prova testemunhal jamais tenha sido vista com bons olhos pelos cientistas do direito, por eles tendo sido considerada como a mais insegura das provas, porquanto confere força probatória aos sempre tão confusos sentidos humanos - sentidos estes na grande maioria das vezes influenciados pela interpretação daquele que os vivencia. E não são apenas os estudiosos da Lei que o dizem.

Os cientistas cognitivos, que estudam a mente e o processo pelo qual esta adquire o conhecimento, afirmam que podemos ser enganados a qualquer tempo quando nos baseamos apenas no relato de uma testemunha. Steven Pinker, psicólogo linguista, professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard, discorre:

“Ninguém é forçado a interpretar uma situação do modo como o falante a coloca (é por isso que damos risada quando Woody Allen diz que bateu com seu queixo no punho de um cara), assim como ninguém é forçado a acreditar em nada que um falante lhe diz (é por isso que damos risada quando Chico Marx diz: ‘Em quem vocês vão acreditar, em mim ou nos seus próprios olhos?’). Quando não temos mais nada em que nos basear senão as palavras de um falante, talvez sejamos persuadidos pelo modo como ele ou ela enquadra as coisas, assim como podemos ser iludidos pelo relato de uma falsa testemunha”[1].

Os fatos parecem ser ainda mais maleáveis na Justiça do Trabalho, quando a testemunha a favor do reclamante também o é ou foi em face da mesma reclamada.

Ainda que os juízes do trabalho adquiram por vezes o feitio de justiceiros sociais, alguns deles tomaram coragem e resolveram se posicionar contra o entendimento construído pelo Tribunal Superior do Trabalho. Valentin Carrion, um deles, aponta com serenidade que[2]:

“a testemunha que está em litígio contra a mesma empresa deve ser equiparada ao inimigo capital da parte; o embate litigioso é mau ambiente para a prudência e isenção de ânimo que se exige da testemunha; entender de outra forma é estimular as partes à permuta imoral de vantagens em falsidades testemunhais mútuas, mesmo sobre fatos verdadeiros, extremamente fácil ‘reclamante de hoje testemunha de amanhã’.

Mais ponderado acerca do assunto, Sergio Pinto Martins, por sua vez afirma que[3]:

“Tem a testemunha interesse na solução do litígio quando são idênticos os pedidos que faz em sua ação e na do processo do autor, ainda que parcialmente, não tendo isenção de ânimo para depor, pois seu envolvimento irá influir em sua visão da realidade, externando aquilo que entende para si devido e não o que realmente ocorreu; deixando, portanto, de haver imparcialidade, resultando no interesse da solução da demanda que em relação a ela pretenda ser igual. De outro lado, se o reclamante pede horas extras e a testemunha pede adicional de insalubridade, não se vislumbra qualquer interessa da segunda na solução do processo do autor. Cada caso terá que ser analisado com parcimônia pelo juiz, verificando se há algum interesse por parte da testemunha na solução do processo do autor.”

Ousando discordar do posicionamento do Douto Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Sergio Pinto Martins, o que se percebe na práticajustrabalhista é que na maioria das vezes as testemunhas do reclamante não freiam a imaginação na hora de contar detalhes acerca da dinâmica laboral desfavorável ao empregado quando também promovem uma reclamação trabalhista em face da mesma empresa.

Por sorte, os posicionamentos contrários ao estabelecido pela supramencionada súmula atingiram o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, resultando, ainda que de forma tímida, no reconhecimento de suspeição de testemunha que litiga contra o mesmo empregador, conforme se depreende pela seguinte ementa:

“Suspeição de testemunha que litiga contra o mesmo empregador. Ação com idêntico objeto. Condenação calcada nos depoimentos contraditados. Súmula nº 357 do TST. Inaplicabilidade. Aplicação da jurisprudência do STF por disciplina judiciária. 1. O STF firmou o entendimento de que há claro interesse por parte da testemunha, que tem ação com o mesmo objeto, em ver a demanda ser dirimida de forma favorável àquele que a apresenta para a prestação de depoimento. 2. Na hipótese dos autos, o Regional, mesmo tendo rejeitado a tese da suspeição das testemunhas do Reclamante que movem ação com objeto idêntico contra o mesmo empregador, calcando-se, para tanto, na Súmula nº 357 do TST, manteve a sentença quanto à fixação da jornada de trabalho do Autor, fulcrando-se nos depoimentos das testemunhas contraditadas. Salientou que, embora o descumprimento do Reclamado, quanto ao que dispõe o art. 74, § 2º, da CLT(clique aqui) e a Súmula nº 338, I, do TST, gere presunção favorável às alegações da inicial, com a inversão do ônus da prova, referida presunção não prevalece quando existe prova em sentido contrário, como no caso dos autos, em que tais testemunhas revelam dados fáticos que conduzem à manutenção da sentença, no que tange à fixação da jornada. 3. A jurisprudência assente no TST, na forma da indigitada Súmula nº 357, apenas sinaliza que o simples fato de a testemunha litigar contra o mesmo empregador não a torna suspeita, não expressando que a testemunha que tenha ação com idêntico objeto daquela na qual presta depoimento, compromissada e contraditada, também não é suspeita. 4. Nesse contexto, e diante do entendimento firmado na Suprema Corte de que a suspeição da testemunha resta configurada quando Autor e testemunha possuem ações com objeto idêntico em face do mesmo Empregador, é de se admitir o referido pronunciamento, por disciplina judiciária. Recurso de revista conhecido e provido. (TST; RR 1.306/2000-001-04-00.6; Sétima Turma; Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho; DJU 22/02/2008; Pág. 1091)”.

Espera-se, assim, que os Excelentíssimos Juízes do Trabalho ousem um pouco mais e, quando necessário, apliquem os §§ 3º e 4º do artigo 405 do Código de Processo Civil à lide trabalhista, senão dispensando a pretensa testemunha, ouvindo-a apenas como informante do juízo, sem que tal atitude comprometa a tão válida luta pela proteção do trabalhador.

[1] Pinker, Steven. Do que é feito o pensamento: a língua como janela para a natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Página 153.

[2] CARRION, Valentin. Comentário à CLT. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989; 24. Ed. Saraiva, 1999. Página 639.

[3] MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense; modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 27. Ed. – 2. Reimp. São Paulo: Atlas, 2007.

Fonte: http://lianaweber.jusbrasil.com.br/artigos/112186033/a-justica-do-trabalho-e-a-nem-sempre-confiavel-prova-testemunhal?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

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